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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Dislexia

Dislexia

Simaia Sampaio  

O que é?
 
       A dislexia é um distúrbio na leitura afetando a escrita, normalmente detectado a partir da alfabetização, período em que a criança inicia o processo de leitura de textos. Seu problema torna-se bastante evidente quando tenta soletrar letras com bastante dificuldade e sem sucesso.
Porém se a criança estiver diante de pais ou professores especialistas a dislexia poderá ser detectada mais precocemente, pois a criança desde pequena já apresenta algumas características que denunciam suas dificuldades, tais como:
 
-   - Demora em aprender a segurar a colher para comer sozinho, a fazer laço no cadarço do sapato, pegar e chutar bola.
-   - Atraso na locomoção.
-   - Atraso na aquisição da linguagem.
-   - Dificuldade na aprendizagem das letras.
 
A criança dislexa possui inteligência normal ou muitas vezes acima da média. Sua dificuldade consiste em não conseguir identificar símbolos gráficos (letras e/ou números) tendo como conseqüência disso a dificuldade na leitura e escrita.
A dislexia normalmente é hereditária. Estudos mostram que dislexos possuem pelo menos um familiar próximo com dificuldade na aprendizagem da leitura e escrita.
O distúrbio envolve percepção, memória e análise visual. A área do cérebro responsável por estas funções envolve a região do lobo occipital e parietal.
 
Características:
 
- Confusão de letras, sílabas ou palavras que se parecem graficamente: a-o, e-c, f-t, m-n, v-u.
- Inversão de letras com grafia similar: b/p, d/p, d/q, b/q, b/d, n/u, a/e.
- Inversões de sílabas: em/me, sol/los, las/sal, par/pra.
- Adições ou omissões de sons: casa Lê casaco, prato lê pato.
- Ao ler pula linha ou volta para a anterior.
- Soletração defeituosa: lê palavra por palavra, sílaba por sílaba, ou reconhece letras isoladamente sem poder ler.
- Leitura lenta para a idade.
- Ao ler, movem os lábios murmurando.
- Freqüentemente não conseguem orientar-se no espaço sendo incapazes de distinguir direita de esquerda. Isso traz dificuldades para se orientarem com mapas, globos e o próprio ambiente.
- Usa dedos para contar.
- Possui dificuldades em lembrar se seqüências: letras do alfabeto, dias da semana, meses do ano, lê as horas.
- Não consegue lembrar-se de fatos passados como horários, datas, diário escolar.
- Alguns possuem dificuldades de lembrar objetos, nomes, sons, palavras ou mesmo letras.
- Muitos conseguem copiar, mas na escrita espontânea como ditado e ou redações mostra severas complicações.
- Afeta mais meninos que meninas.
 
 
O dislexo geralmente demonstra insegurança e baixa auto-estima, sentindo-se triste e culpado. Muitos se recusam a realizar atividades com medo de mostrar os erros e repetir o fracasso. Com isto criam um vínculo negativo com a aprendizagem, podendo apresentar atitude agressiva com professores e colegas.
 
     Antes de atribuir a dificuldade de leitura à dislexia alguns fatores deverão ser descartados, tais como:
 
- imaturidade para aprendizagem;
- problemas emocionais;
- métodos defeituosos de aprendizagem;
- ausência de cultura;
- incapacidade geral para aprender.
 
Tratamento e orientações:
 
- O tratamento deve ser realizado por um especialista ou alguém que tenha noções de ajuda ao dislexo. Deve ser individual e freqüente.
Durante o tratamento deve-se usar material estimulante e interessante. - Ao usar jogos e brinquedos empregar preferencialmente os que contenham letras e palavras.
- Reforçar a aprendizagem visual com o uso de letras em alto relevo, com diferentes texturas e cores. É interessante que ele percorra o contorno das letras com os dedos para que aprenda a diferenciar a forma da letra.
- Deve-se iniciar por leituras muito simples com livros atrativos, aumentando gradativamente conforme seu ritmo.
- Não exigir que faça avaliação de outra língua. Deve-se dar mais importância na superação de sua dificuldade do que na aprendizagem de outra língua.
- O tratamento psicológico não é recomendado a não ser nos casos de graves complicações emocionais.
- Substituir o ensino através do método global (já que não consegue perceber o todo), por um sistema mais fonético.
- Não estimule a competição com colegas nem exija que ele responda no mesmo tempo que os demais.
- Oriente o aluno para que escreva em linhas alternadas, para que tanto ele quanto o professor possa entender o que escreveu e poder corrigi-los.
- Quando a criança não estiver disposta a fazer a lição em um dia ou outro não a force. Procure outras alternativas mais atrativas para que ele se sinta estimulado.
- Nunca critique negativamente seus erros. Procure mostrar onde errou, porque errou e como evitá-los. Mas atenção: não exagere nas inúmeras correções, isso pode desmotivá-lo. Procure mostrar os erros mais relevantes.
- Peça que os pais releiam o diário de classe sem criticá-los por não conseguir fazê-lo, pois a criança pode esquecer o que foi pedido e/ou não conseguir ler as instruções.
 
Bibliografia:
 
CONDEMARÍN, Mabel, BLOMQUIST, Marlys. (1989). Dislexia; manual de leitura corretiva. 3ª ed. Tradução de Ana Maria Netto Machado. Porto Alegre: Artes Médicas.
ELLIS, Andrew W. (1995). Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2 ed. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas.
JOSÉ, Elisabete da Assunção José & COELHO, Maria Teresa. Problemas de Aprendizagem. 12ª edição, São Paulo: Ática.

Fonte:

A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL

Um Pouco da História da Psicopedagogia no Brasil- Simaia Sampaio

Os primeiros Centros Psicopedagógicos foram fundados na Europa, em 1946, por J Boutonier e George Mauco, com direção médica e pedagógica. Estes Centros uniam conhecimentos da área de Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, onde tentavam readaptar crianças com comportamentos socialmente inadequados na escola ou no lar e atender crianças com dificuldades de aprendizagem apesar de serem inteligentes (MERY apud BOSSA, 2000, p. 39).

Na literatura francesa – que, como vimos, influencia as idéias sobre psicopedagogia na Argentina (a qual, por sua vez, influencia a práxis brasileira) – encontra-se, entre outros, os trabalhos de Janine Mery, a psicopedagoga francesa que apresenta algumas considerações sobre o termo psicopedagogia e sobre a origem dessas idéias na Europa, e os trabalhos de George Mauco, fundador do primeiro centro médico psicopedagógico na França,..., onde se percebeu as primeiras tentativas de articulação entre Medicina, Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, na solução dos problemas de comportamento e de aprendizagem (BOSSA, 2000, p. 37)

Esperava-se através desta união Psicologia-Psicanálise-Pedagogia, conhecer a criança e o seu meio, para que fosse possível compreender o caso para determinar uma ação reeducadora.
Diferenciar os que não aprendiam, apesar de serem inteligentes, daqueles que apresentavam alguma deficiência mental, física ou sensorial era uma das preocupações da época.
Observamos que a psicopedagogia teve uma trajetória significativa tendo inicialmente um caráter médico-pedagógico dos quais faziam parte da equipe do Centro Psicopedagógico: médicos, psicólogos, psicanalistas e pedagogos.
Esta corrente européia influenciou significativamente a Argentina. Conforme a psicopedagoga Alicia Fernández (apud BOSSA, 2000, p. 41), a Psicopedagogia surgiu na Argentina há mais de 30 anos e foi em Buenos Aires, sua capital, a primeira cidade a oferecer o curso de Psicopedagogia.
Foi na década de 70 que surgiram, em Buenos Aires, os Centros de Saúde Mental, onde equipes de psicopedagogos atuavam fazendo diagnóstico e tratamento. Estes psicopedagogos perceberem um ano após o tratamento que os pacientes resolveram seus problemas de aprendizagem, mas desenvolveram distúrbios de personalidade como deslocamento de sintoma. Resolveram então incluir o olhar e a escuta clínica psicanalítica, perfil atual do psicopedagogo argentino (Id. Ibid., 2000, p.41).
Na Argentina, a psicopedagogia tem um caráter diferenciado da psicopedagogia no Brasil. São aplicados testes de uso corrente, “alguns dos quais não sendo permitidos aos brasileiros...” (Id. Ibid., p. 42), por ser considerado de uso exclusivo dos psicólogos (cf. BOSSA, p. 58). “... os instrumentos empregados são mais variados, recorrendo o psicopedagogo argentino, em geral, a provas de inteligência, provas de nível de pensamento; avaliação do nível pedagógico; avaliação perceptomotora; testes projetivos; testes psicomotores; hora do jogo psicopedagógico” (Id. Ibid., 2000, p. 42).
A psicopedagogia chegou ao Brasil, na década de 70, cujas dificuldades de aprendizagem nesta época eram associadas a uma disfunção neurológica denominada de disfunção cerebral mínima (DCM) que virou moda neste período, servindo para camuflar problemas sociopedagógicos (Id. Ibid., 2000, p. 48-49).
Inicialmente, os problemas de aprendizagem foram estudados e tratados por médicos na Europa no século XIX e no Brasil percebemos, ainda hoje, que na maioria das vezes a primeira atitude dos familiares é levar seus filhos a uma consulta médica.

Na prática do psicopedagogo, ainda hoje é comum receber no consultório crianças que já foram examinadas por um médico, por indicação da escola ou mesmo por iniciativa da família, devido aos problemas que está apresentando na escola (Id. Ibid., 2000, p. 50).

A Psicopedagogia foi introduzida aqui no Brasil baseada nos modelos médicos de atuação e foi dentro desta concepção de problemas de aprendizagem que se iniciaram, a partir de 1970, cursos de formação de especialistas em Psicopedagogia na Clínica Médico-Pedagógica de Porto Alegre, com a duração de dois anos (Id. Ibid., 2000, p. 52).
De acordo com Visca, a Psicopedagogia foi inicialmente uma ação subsidiada da Medicina e da Psicologia, perfilando-se posteriormente como um conhecimento independente e complementar, possuída de um objeto de estudo, denominado de processo de aprendizagem, e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios (VISCA apud BOSSA, 2000, p. 21).
Com esta visão de uma formação independente, porém complementar, destas duas áreas, o Brasil recebeu contribuições, para o desenvolvimento da área psicopedagógica, de profissionais argentinos tais como: Sara Paín, Jacob Feldmann, Ana Maria Muniz, Jorge Visca, dentre outros.
Temos o professor argentino Jorge Visca como um dos maiores contribuintes da difusão psicopedagógica no Brasil. Foi o criador da Epistemologia Convergente, linha teórica que propõe um trabalho com a aprendizagem utilizando-se da integração de três linhas da Psicologia: Escola de Genebra - Psicogenética de Piaget (já que ninguém pode aprender além do que sua estrutura cognitiva permite), Escola Psicanalítica - Freud (já que dois sujeitos com igual nível cognitivo e distintos investimentos afetivos em relação a um objeto aprenderão de forma diferente) e a Escola de Psicologia Social de Enrique Pichon Rivière (pois se ocorresse uma paridade do cognitivo e afetivo em dois sujeitos de distinta cultura, também suas aprendizagens em relação a um mesmo objeto seriam diferentes, devido às influências que sofreram por seus meios sócio-culturais) (VISCA, 1991, p. 66).

Visca propõe o trabalho com a aprendizagem utilizando-se de uma confluência dos achados teóricos da escola de Genebra, em que o principal objeto de estudo são os níveis de inteligência, com as teorizações da psicanálise sobre as manifestações emocionais que representam seu interesse predominante. A esta confluência, junta, também, as proposições da psicologia social de Pichon Rivière, mormente porque a aprendizagem escolar, além do lidar com o cognitivo e com o emocional, lida também com relações interpessoais vivenciadas em grupos sociais específicos (França apud Sisto et. al. 2002, p. 101).

A análise do sujeito através de correntes distintas do pensamento psicológico concebeu uma proposta de diagnóstico, de processo corretor e de prevenção, dando origem ao método clínico psicopedagógico.

...quando se fala de psicopedagogia clínica, se está fazendo referência a um método com o qual se tenta conduzir à aprendizagem e não a uma corrente teórica ou escola. Em concordância com o método clínico podem-se utilizar diferentes enfoques teóricos. O que eu preconizo é o da epistemologia convergente (VISCA, 1987, p. 16).

Visca implantou CEPs no Rio de Janeiro, São Paulo, capital e Campinas, Salvador, e Curitiba. Deu aulas em Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Itajaí, Joinville, Maringá, Goiânia, Foz do Iguaçu e muitas outras. (Cf. BARBOSA, 2002, p. 14).
Muitos outros cursos de Psicopedagogia foram surgindo ao longo deste período até os dias atuais e este crescimento não pára de acontecer o que indica uma grande procura por esta profissão. Entretanto, é importante ressaltar, que esta demanda pode proliferar cursos precários distribuindo diplomas e certificados a profissionais inadequados. Esta proliferação se agrava mais ainda pelo fato da profissão não estar ainda legalizada.

Existe, porém, em nosso país há 13 anos a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) que dá um norte a esta profissão. Ela é responsável pela organização de eventos, pela publicação de temas relacionados à Psicopedagogia.

Devemos, portanto, escolher com muito cuidado a Instituição que desejamos fazer o curso de Psicopedagogia. Tenho conhecimento de cursos que no período do estágio abandonam seus alunos, sem a devida orientação.

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp)  dá um norte a esta profissão.
Ela é responsável pela organização de eventos, pela publicação de temas relacionados à Psicopedagogia, cadastro dos profissionais.
Qualquer dúvida sobre o curso que deseja fazer, procure a sessão da Abpp em seu estado.

[1] Nascido em 14 de maio de 1935, na cidade de Baradeiro, Província de Bueno Aires, e falecido em 23 de julho de 2000, em Buenos Aires, Capital da Argentina, foi o fundador do Centro de Estudos Psicopedagógicos - Curitiba, divulgador da Psicopedagogia no Brasil, Argentina e Portugal, como também criador de uma Clínica Comunitária que atende a comunidade carente com dificuldade de aprendizagem.
 
Bibliografia:

BARBOSA, Laura Monte Serrat. A História da Psicopedagogia contou também com        Visca, in Psicopedagogia e Aprendizagem. Coletânea de reflexões. Curitiba, 2002.
BOSSA, Nadia A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto   Alegre, Artes Médicas, 2000.
SISTO, F.F. Aprendizagem e mudanças cognitivas em crianças. Petrópolis, Vozes,      1997.
VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre,Artes Médicas, 1987.
___________. Psicopedagogia: novas contribuições; organização e tradução Andréa Morais, Maria Isabel Guimarães – Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1991.


Fonte consultada:
http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/breve_historico.htm

COMO INTERVIR NOS CASOS DE DISLEXIA ESCOLAR

COMO INTERVIR NOS CASOS DE DISLEXIA ESCOLAR

Vicente Martins


Para uma eficaz intervenção psicopedagógica nos casos de dislexia, disgrafia e disortografia, há necessidade de o profissional descrever a situação para poder explicar perante aos pais e à escola o que ocorre no cérebro das crianças com necessidades educacionais específicas. Isto significa dizer que terá a missão de representar fielmente o caso do disléxico em seu plano de trabalho, por escrito ou oralmente, no seu todo ou em detalhes. É através da descrição que o Profissional fará relato circunstanciado das dificuldades lectoescritoras, de modo a explicar, em seguida, as dificuldades lectoescritoras caracterizadas na anamnse.

Uma descrição rica de detalhes historiais dos educandos com necessidades educacionais permitirá uma melhor elucidação das dificuldades de aprendizagem lectoescritoras e, também, justificará medidas mais seguras e eficientes no momento da avaliação e da intervenção psicopedagógica.

Outro verbo a ser conjugado pelo psicopedagogo é o de avaliar para intervir e a partir solucionar ou compensar a dificuldade do educando. Assim, descrito e explicado o caso psicopedagógico, o profissional que atua com as crianças, jovens ou adultos com dislexia, disgrafia ou disortografia poderá verificar, objetivamente, os dados das dificuldades levantados junto aos professores, pais dos alunos e os próprios alunos. A pauta, protocolo ou ficha de observação quanto mais ampla mais eficaz. As avaliações escolares tradicionais também não podem ser descartas ou negligenciadas uma vez que são verificações que objetivam determinar a competência do educando.

A intervenção psicopedagógica deve ocorrer quando o profissional se sente seguro teoricamente para praticar atividades que atuem diretamente nas dificuldades dos educandos disléxicos, disgráficos e disortográficos. A intervenção psicopedagógica é uma capacidade, advinda da experiência, de fazer algo com eficiência. Em geral, é um período em que alunos deixam, em algumas horas do seu tempo regular de estudo escolar, na própria instituição de ensino, a sala de aula e passam a receber treinamento específico para a superação de suas dificuldades.

Para ilustrar no artigo com exemplos reais de casos de dislexia, vamos expor, de forma sintética, relatos de pais, profissionais de educação da fala e educadores sobre dificuldades específicas na linguagem escrita de seus filhos e educandos:

1º caso - “ Fui chamada na escola de meu filho porque ele tem problemas com a escrita, faz trocas de letras como v/f, d/t, ele tem 9 anos está na terceira serie, pediram para que o leve para fazer uma avaliação com uma fono, queria saber se este caminho que devo seguir, ou o que devo fazer grata “


2º caso – “Tenho uma paciente de 27 anos que apresenta algumas dificuldades na escrita e na fala. Em uma das atividades que realizei com ela, a mesma apresentou-se nervosa ao ler,trocando algumas letras. Ao pedir para ela falasse qual o número que estava no dado, a mesma teve dificuldades; tendo dificuldade também em distinguir letras aleatórias, trocando principalmente as letras F e V. A paciente relata ser muito agressiva querendo bater nas pessoas e não gosta de "conviver" com elas. Sente ódio de todos.Gostaria de saber como faço para verificar se ela pode ter Dislexia?.”


3º caso – “ Tenho uma filha de 8 anos e meio diagnosticada com dislexia, além de ter disgrafia e disortografia. A Fono disse que a dislexia dele é bem leve. Ela lê razoavelmente bem, apesar de soletrar muitas vezes, principalmente as palavras pouco freqüentes, mas eu acredito que a disgrafia e a disortografia nela sejam um pouco mais severas que a dificuldade de leitura propriamente dita. Ela não consegue escrever uma frase sem cometer vários erros, em palavras que já escreveu várias vezes (sempre escreve valar ao invés de falar, xegou ao invés de chegou, soldade ao invés de saudade entre outras coisas) e a aparência gráfica de sua letra é muito franca, parece de criança ensaiando as primeiras letras. No entanto ela gosta muito de escrever, tem um diário, escreve historinhas, só que é uma luta conseguirmos decifrar o que ela quis dizer.Gostaria de saber, se poderia indicar alguma literatura, que contivesse exercícios especificamente para disgrafia e disortografia .”

Tomando, para a rápida análise e sistematização dos relatos de casos de dislexia acima, muito comuns nas queixas de crianças, pais e docentes, observaremos que, em geral, são estes indícios típicos de dificuldades em leitura, escrita e disortografia:

(1) progresso muito lento na aquisição das habilidades de leitura;
(2) problemas ao ler palavras desconhecidas (novas, não-familiares), que devem ser pronunciadas em voz alta;
(3) tropeços ao ler palavras polissilábicas, ou deficiências o ter de pronunciar a palavra inteira;
(4) A leitura em voz alta é contaminada por substituições, omissões e palavras malpronunciadas;
(5) Leitura muito lenta e cansativa;
(6) Dificuldades para lembrar nomes de pessoas e de lugares e confusão quando os nomes se parecem;
(7) Falta de vontade de ler por prazer;
(8) Ortografia que permanece problemática e preferência por palavras menos complexas ao escrever;
(9) Substituição de palavras que não consegue ler por palavras inventadas e (10) Problemas ao ler e pronunciar palavras incomuns, estranhas ou singulares, tais como o nome de pessoas, de ruas e de locais, nomes dos pratos de um menu.


Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), em Sobral, Estado do Ceará. E-mail: vicente.martins@uol.com.br COMO INTERVIR NOS CASOS DE DISLEXIA ESCOLAR

A aquisição da palavra e a função reguladora da linguagem : aportes psicopedagógicos





A aquisição da palavra e a função reguladora da linguagem
Aportes psicopedagógicos

Eloci Gloria de Mello

Pedagoga/Psicopedagoga formada pela PUC/RS

RESUMO:

A fala expressa o pensamento, as emoções, as necessidades da criança e é também o meio de regulação dos processos psíquicos superiores. O processo de construção da linguagem é longo e vai do nascimento até a adolescência. Inicialmente a criança domina mal o código lingüístico, mas muito progresso ocorre entre 2 e 4 anos de idade. A aquisição da linguagem verbal, que implica o uso de palavras, tem início entre 12 e 24 meses de idade, sendo que os 18 meses corresponde à idade média de tal aquisição. O desenvolvimento dessas habilidades pode ser acompanhado ao longo do crescimento do bebê, servindo também de indicativo da formação de uma boa ou má competência comunicativa. Este estudo tem por finalidade examinar o desenvolvimento da linguagem e sua função reguladora sobre as ações da criança com o objetivo de esclarecer pontos relevantes no sentido de evitar equívocos diagnósticos de problemas nesta área.

INTRODUÇÃO


A linguagem é atividade essencial do conhecimento do mundo do ponto de vista da aquisição. É o espaço em que a criança se constitui como sujeito e em que os objetos do mundo físico, os papéis das palavras e as categorias lingüísticas não existem inicialmente, mas se instauram através da experiência ao longo do desenvolvimento infantil.
O desconhecimento do desenvolvimento normal da criança na aquisição da linguagem e dos mecanismos de regulação da sua ação em decorrência do uso da palavra pelo adulto, leva o profissional a cometer equívocos no tratamento e/ou no encaminhamento da criança, perdendo um tempo considerável e, muitas vezes, crucial para o adequado atendimento. Por outro lado, o desconhecimento pode acarretar a rotulação do sujeito e a consideração um estágio normal como transtorno[i] quando, de fato, não se soube avaliar as diferenças individuais no desenvolvimento normal da criança.   
Assim, é necessário compreender o modo como as crianças adquirem e desenvolvem a linguagem, como ocorre essa operacionalização até que a palavra expresse seu pensamento e como se dá a regulação dos processos psíquicos do sujeito através da palavra. É imprescindível conhecer esses aspectos do desenvolvimento infantil e as transformações que vão se operando gradativamente no sujeito tanto para fazer encaminhamentos quanto para diagnosticar e tratar adequadamente os problemas apresentados nesse campo.
Primeiramente se tratará, em termos gerais, do significado, do desenvolvimento e do sentido da palavra; depois, mais especificamente, do desenvolvimento da palavra/linguagem em relação ao desenvolvimento infantil, do surgimento do conceito e da função reguladora da palavra/linguagem das ações da criança, assim como das implicações psicopedagógicas.  

O significado da palavra

A palavra é a unidade fundamental da língua.
Luria ensina que o elemento fundamental da linguagem é a palavra, a qual designa coisas, individualiza as características desses objetos e os reúne em determinadas categorias, designa também ações e relações entre as coisas, ou seja, "a palavra codifica nossa experiência" (1, p. 27).
A palavra tem uma estrutura complexa com dois componentes básicos: representação material e significado; cada palavra constitui um objeto, gerando no sujeito uma imagem deste objeto.
A representação material - função básica da palavra - é a função representativa da palavra, considerada a mais importante por ser constituinte da linguagem que permite ao homem evocar as imagens de objetos correspondentes até quando estão ausentes.
O significado - análise dos objetos - função mais complexa que permite distinguir as propriedades dos objetos e relacioná-los segundo a categoria; esta função é meio de abstração e generalização do objeto, ou seja, através da análise dos significados das partes componentes de uma palavra que nomeia um objeto se pode conhecer as várias significações que a construíram - o autor analisou a palavra russa que identifica tinteiro, a qual inicialmente parecia muito simples e se revelou complexa, indicando que este objeto está relacionado com tinta, serve para realizar alguma coisa e é um recipiente, ou seja, a análise da morfologia da palavra revela a complexidade de sua função. Essa análise pode ser utilizada para descobrir a função de um objeto desconhecido quando se conhece a palavra que serve para designá-lo ou, no caso dessa palavra inexistir, para se criar uma palavra adequada para nomeá-lo e que carregue todo o significado da sua função.
Vygotsky atribui à própria gênese da palavra a característica de imagem, ensinando que “a palavra primitiva não é um símbolo direto de um conceito, mas sim uma imagem, uma figura, um esboço mental de um conceito, um breve retrato dele - na verdade, uma pequena obra de arte. Ao nomear um objeto por meio de tal conceito pictórico, o homem relaciona-o a um grupo que contém certo número de outros objetos” (2, p. 65).
Luria e Yudovich (3) dizem que a palavra, na sua função básica, indica o objeto correspondente no mundo externo e abstrai e isola o sinal necessário, generaliza os sinais percebidos e os relaciona com determinadas categorias.
Esses autores citam um exemplo para mostrar que a palavra relacionada à percepção direta do objeto isola seus traços fundamentais: ao nomear o objeto percebido de "copo" e acrescentar o seu papel fundamental "serve para beber", isolam-se suas propriedades essenciais e se inibe as menos essenciais como o peso e a forma exterior; ao assinalar com a palavra "como" (para que serve) qualquer copo, independente da forma, toda a percepção desse objeto é permanente e generalizada.
Lenin (1) observou que o objeto (nomeado) de conhecimento não são as coisas em si, mas principalmente a relação entre elas; o mesmo objeto pode ser o objeto de estudo da física, da economia, da estética, etc., concluindo que as coisas não são captadas somente pela forma imediata, mas também pelos reflexos de suas relações, ou seja, o homem transcende aos limites sensoriais da experiência imediata e forma conceitos abstratos que permitem penetrar mais profundamente na essência delas.
Desenvolvimento do significado da palavra
A referência objetal da palavra não está terminada na criança aos três primeiros anos de vida, tendo a palavra alcançado seu desenvolvimento pleno de tal forma que daí em diante haveria apenas um enriquecimento do vocabulário como se pensava anteriormente, pois, segundo Luria (1), o significado da palavra não conclui seu desenvolvimento neste período. Depois que o desenvolvimento da palavra alcança seu significado objetal exato e estável, desenvolve-se em direção ao seu referencial de função generalizadora, chegando ao seu significado.
Esta hierarquia estrutural, com categorias subordinadas entre si, constitui-se no "sistema de conceitos abstratos, diferenciando-se dos enlaces situacionais imediatos, característico da palavra nos estágios iniciais do desenvolvimento" (1, p. 53), mostrando que o significado muda ao mesmo tempo em que os processos psíquicos se realizam.
A correlação da palavra com os significados abstratos generalizadores (função generalizadora) não é sempre a mesma, segundo Luria (4), pois cada grupo de palavras tem diferenças essenciais como os substantivos em que os elementos figurados concretos são muito fortes (pinheiro, cão) ou são afastados pelo significado abstrato generalizador (árvore, animal); nos adjetivos e nos verbos (surgidos depois dos substantivos) os componentes materiais ficam em segundo plano e a discriminação da qualidade ou da ação, abstraídas do objeto remanescente, compõe o significado básico dessas palavras.
Para Vygotsky (2) a palavra, tomada como um estímulo e mediada pelo signo, tem como reação o resgate de conceitos, imagens e sentimentos pelo sujeito, relacionados ao contexto da produção do estímulo:
[...] o sentido de uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa. Uma palavra adquire o seu sentido no contexto em que surge; em contextos diferentes, altera o seu sentido. O significado permanece estável ao longo de todas as alterações do sentido. O significado dicionarizado de uma palavra nada mais é do que uma pedra no edifício do sentido, não passa de uma potencialidade que se realiza de formas diversas na fala (2, p. 125).
Esse pensamento pode ser complementado com a afirmação que “a palavra não alcança sua significação completa exceto numa sentença, isto é, numa relação sintática” (5, p. 15), ou seja, a operação de significação não pode ser deduzida exclusivamente da palavra e do seu conceito, mas sim do contexto na qual está inserida, do seu significado.

O sentido da palavra

O sentido da palavra deriva do "processo de escolha do significado adequado entre todo um sistema de alternativas que surgem" (3, p. 22), ou seja, o sistema de relações destacado entre muitos significados possíveis; o sentido da palavra, assim, depende da tarefa concreta que o sujeito tem diante de si e da situação concreta em que ele vai empregar a palavra; o significado pode, então, ser diverso em várias situações, mesmo que exteriormente permaneça o mesmo.
Além da estrutura morfológica, a entonação na pronúncia da palavra também permite que se mude o seu sentido, escolhendo um específico entre tantos outros.
Assim, o emprego real da palavra é a escolha do sentido adequado ao que se quer expressar entre os possíveis significados e só com um sistema de escolha funcionando com precisão, com o realce do sentido adequado e a inibição das outras alternativas, se pode desenvolver com êxito a comunicação.

O surgimento do conceito

Compreender não é o mesmo que perceber: é aperceber, isto é, entender o verdadeiro significado conceitual do percebido.
Para Vygotsky (2) a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores: ela dá uma forma definida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem sistematiza a experiência direta dos sujeitos e, por isso, adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento.
Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo (2, p. 70).
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.
Luria (4) estudou profundamente as experiências de Vygotsky nessa área onde desenvolveu um grande trabalho, reconhecido pelos estudiosos sobre a formação de conceitos. Os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos científicos são formais, organizados, sistematizados, testados pelos meios científicos, que em geral são transmitidos pela escola e que aos poucos vão sendo incorporados ao senso comum.
Os conceitos científicos, conforme Luria (4), adquiridos no processo de aprendizagem da criança, são formulados verbalmente (pela mediação do professor) e só mais tarde ela tem condições de juntar a eles um conteúdo válido. A criança adquire consciência dos seus conceitos espontâneos relativamente tarde: a capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles à vontade, aparece muito tempo depois de adquirir os conceitos. Ela possui o conceito, isto é, conhece o objeto ao qual o conceito se refere, mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. O autor enfatiza que na formação dos conceitos comuns (espontâneos ou do cotidiano - se formam a partir da atividade prática e da experiência figurada direta) predominam as relações circunstanciais concretas e nos conceitos científicos (formam-se com a participação das operações lógico-verbais), as relações lógicas abstratas.
Segundo Oliveira (6), Vygotsky propôs o percurso genético do desenvolvimento do pensamento conceitual em três estágios. No primeiro estágio, a criança forma conjuntos sincréticos, agrupando objetos com base em nexos vagos, subjetivos e baseados em fatores perceptuais como a proximidade espacial, por exemplo. Esses nexos são instáveis e não relacionados aos atributos relevantes dos objetos. O segundo estágio é chamado por Vygotsky de pensamento por complexos: "em um complexo, as ligações entre seus componentes são concretas e factuais, e não abstratas e lógicas" (6, p. 33)[ii].
No terceiro estágio, onde ocorre a formação dos conceitos propriamente ditos, a criança agrupa objetos com base num único atributo, sendo capaz de abstrair características isoladas da totalidade da experiência concreta.
Com base nas experiências realizadas por Vygotsky, Luria observa que em diferentes etapas o significado da palavra encobre diferentes formas de generalização e diferentes processos psicológicos e, assim, evolui. Enfatiza também o autor a importância diagnóstica da formação dos conceitos, estabelecendo "o nível que a criança pode atingir, estando numa fase inferior do desenvolvimento intelectual, e as peculiaridades do processo de formação dos conceitos que caracterizam determinados estados patológicos da atividade cerebral" (4, p. 47).

O desenvolvimento da criança x desenvolvimento da palavra

De acordo com Vygotsky, todas as atividades cognitivas básicas do indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade (3). Neste processo de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de como o sujeito vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento são transmitidas à criança através de palavras (8).
A palavra, segundo Luria e Yudovich (3), influi sobre a criança, enriquecendo e aprofundando sua percepção direta e conformando sua consciência.
Inicialmente a criança não tem consciência da composição verbal da palavra que vai surgindo no decorrer de um período; nas primeiras etapas do desenvolvimento a criança confunde a palavra com o objeto. Os experimentos que evidenciaram o caminho percorrido pela criança nessa tomada de consciência da estrutura verbal da linguagem foram propostos por Vigotsky em 1856 e depois por Karpona em 1967 e que merecem estudo posterior pela complexidade e riqueza das suas conclusões.
As etapas normais de aquisição da linguagem estão especificadas no Quadro 1 e a variabilidade dessa aquisição, ou seja, as variações dentro do que é considerado normal, está esquematizada no Quadro 2.

Quadro 1 - Etapas normais da aquisição da linguagem

0-3 meses


4-6 meses


7-9 meses


10-12 meses



12-18 meses


2 anos


3 anos

4 anos
Produção de sons (choro/consolo, gritos, barulhos); discriminação se sons familiares.

Discriminação dos sons da fala - compreensão das palavras - balbucio, produção de vogais e depois de consoantes, expressões faciais.

Balbucio duplicado (bababa) de forma interativa e produção gestual comunicativa - aponta para objetos

Primeiras palavras reais + jargão (balbucio com fala).
Contato visual, expressões faciais, vocalizações e gestos - se faz entender por meio dessas formas de comunicação antes mesmo de falar.

Produção de 10-50 palavras e algumas frases de algumas palavras - chama a atenção para receber uma resposta verbal do adulto.

Produz 150-200 palavras e frases de a 3 palavras - nomeia objetos quando inquirida.

Sentenças gramaticais - artigo, preposição, plural - formula questões.

Clara sintaxe - completa inteligibilidade é esperada aos 4 anos e 6 meses - meninas em média um pouco antes - para fonologia do português e do inglês.

Fonte: Pedroso e Rotta (7)

Quadro 2 - Variabilidade normal da aquisição da linguagem

Em 25% das crianças






Em 90% das crianças
I - Compreensão visual - com 10 meses apontam para os objetos desejados espontaneamente.
II - Compreensão auditiva - com 25,8 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III - Expressão falada - com 27,3 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.
 
I - Compreensão visual - com 17,7 meses apontam para objetos desejados espontaneamente.
II - Compreensão auditiva - com 32,6 meses nomeiam e explicam a função de objetos perguntados pelo examinador.
III - Expressão falada - com 34,4 meses nomeiam e explicam a função de 2 objetos espontaneamente.

Fonte: Pedroso e Rotta (7)

Como se pode observar nos quadros anteriores, no início do desenvolvimento da criança a consciência tem caráter afetivo. Segundo Luria (1) esse caráter reflete o mundo afetivamente; a seguir a consciência passa ao concreto imediato, assim como as palavras que se refletem em seu mundo; no estágio seguinte a consciência passa a ser lógica, verbal e abstrata mesmo que os estágios anteriores permaneçam encobertos.

O significado da palavra muda substancialmente quanto ao seu significado no decorrer do desenvolvimento da criança: inicialmente o papel fundamental da palavra é desempenhado pelo afeto, pelo agradável ou desagradável; mais tarde, pela imagem imediata, a memória, reproduzindo uma situação determinada; para o adulto, são os enlaces lógicos presentes nas palavras que configuram o papel principal.
A partir do momento que a criança descobre que tudo tem um nome, cada novo objeto que surge representa um problema que ela resolve atribuindo-lhe um nome. Quando lhe falta a palavra para nomear este novo objeto, a criança recorre ao adulto. Esses significados básicos de palavras assim adquiridos funcionarão como embriões para a formação de novos e mais complexos conceitos.

Função reguladora da linguagem

Levando-se em consideração essas assertivas, caso que nos interessa diretamente no fazer psicopedagógico, examinamos as considerações de autores como Vygotsky e Luria, em relação à subordinação da criança ao adulto: quando a criança adquire uma palavra que designa um objeto em particular e serve como sinal de uma ação concreta, ela se subordina a esta palavra, assim como à instrução verbal do adulto. A palavra, portanto, regula a conduta da criança, organizando sua atividade num nível mais alto e qualitativamente novo. "Esta subordinação das reações da criança à palavra de um adulto é o começo de uma longa cadeia de formação de aspectos complexos da sua atividade consciente e voluntária" (3, p. 13).
Luria enfatiza que "além da função cognoscitiva da palavra e sua função como instrumento de comunicação, há sua função pragmática ou reguladora; a palavra não é somente um instrumento de reflexo da realidade, é o meio de regulação da conduta" (1, p. 95-96).
Vygotsky (2) ensina que é indispensável examinar como os processos voluntários se formam no curso do desenvolvimento da atividade concreta do sujeito e na sua comunicação com o adulto, cuja organização está baseada no desenvolvimento lingüístico da criança.
Segundo Luria, a primeira etapa da função reguladora da linguagem da criança - função base do comportamento voluntário - é a capacidade de subordinação à instrução verbal do adulto e, a partir dessa "subordinação primitiva" (1, p. 96), forma-se o ato voluntário.
Quando a mãe nomeia um objeto e junta a ele um gesto indicador, está reorganizando a atenção da criança e separando o objeto mencionado dos demais, assim a criança começa a se subordinar à ação da linguagem do adulto.
Para fortalecer o papel regulador da linguagem nessa etapa (até 2-3 anos), é preciso assinalar o objeto nomeado com gestos ou indicações, reforçando-os pela ação, permitindo que a criança fixe melhor e possa cumprir a tarefa corretamente.
Os experimentos de Luria (1) mostraram que a subordinação da ação do sujeito à instrução verbal do adulto, não é algo simples e desenvolve-se progressivamente. Desse modo, observa-se que a linguagem tem uma grande importância na organização da conduta da criança e no seu desenvolvimento; primeiro a sua influência é feita de fora para dentro e depois passa a se organizar de dentro para fora. No início, o controle da conduta é feito pelos pais, através da linguagem; mais tarde, pela própria criança: a conduta da criança, inicialmente controlada pelos adultos sob a forma de incitações e ordens verbais, progressivamente passa a ser controlada por ela própria, através da linguagem interiorizada.

CONCLUSÃO

A linguagem verbal é a forma mais característica da comunicação humana e se aceitarmos que o objetivo do estudo da psicopedagogia é a autoria do pensamento, precisamos compreender que o pensamento humano se formula e se expressa através da linguagem, a qual deve ser bem conhecida em todos os seus aspectos.
Há uma relação muito estreita entre o pensamento e a linguagem, uma interdependência relativa entre eles, de tal forma que muitos pensamentos e muitos conceitos seriam irrealizáveis sem o auxílio da linguagem que, quando exteriorizada, é a simbolização do pensamento; quando interiorizada é o elemento básico de sua organização.
Sabe-se também que o desenvolvimento infantil é uma questão de saúde física e mental. A aquisição da linguagem, assim como o desenvolvimento de capacidades comunicativas em geral, deve merecer a máxima atenção uma vez que são indicadores preciosos de um processo evolutivo que pode estar ocorrendo bem ou não.
É pré-requisito básico, portanto, conhecer a construção da expressão: a estrutura da palavra que permite formar os conceitos e os sistemas que levam à conclusão lógica do pensamento e regulam as ações para que se possa entender as manifestações clínicas.
O estudo da apropriação da linguagem por parte do sujeito é amplo e oferece inúmeras possibilidades ao pesquisador da área de psicopedagogia. Esta breve discussão sobre o tema visa suscitar o debate multidisciplinar e interdisciplinar entre aqueles que se dedicam a essa área de estudo tão promissora.
Ainda há muito por fazer, porém, pois o ser humano em sua complexidade é ainda um mistério.

REFERÊNCIAS

1.LURIA AR. Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, vol. IV.
2.LURIA AR; YODOVICH FI. Linguagem e desenvolvimento intelectual na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
3.LURIA AR. Pensamento e linguagem - as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
4. Luria AR.  Cognitive Development: Its Cultural and Social FoundationsCambridge , MA : Harvard University Press, 1976.
5. Murray TR.  Comparing Theories of Child Development. Third Edition. Belmont , California : Wadsworth Publishing Company, 1993.
6.VYGOTSKY LS. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
7.Pedroso FS; Rotta, NT. Transtornos da linguagem. In: Rotta NT; OHLWEILER L; RIESGO RS. Transtornos da aprendizagem - abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
8.OLIVEIRA MK. Vygotsky e o processo de formação de conceitos. In: LA TAILLE Y. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo : Summus, 1992.

Notas:

[i] Os transtornos da linguagem são bastante comuns na infância e, segundo Pedroso e Rotta (7), das crianças com problemas de linguagem, menores de 5 anos, 60% terão algum grau de retardo mental ou distúrbio de aprendizado aos 9 anos - a dislexia é o mais comum, e a maioria teve ou tem comprometimento na linguagem oral; outro aspecto relevante para os autores é que essas crianças correm alto risco de alterações de conduta e comportamento como a déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), por exemplo.

[ii] As ligações factuais subjacentes aos complexos são descobertas por meio da experiência direta e uma vez que um complexo não é formado no plano do pensamento abstrato, as ligações que o criam, assim como as que ele ajuda a criar, carecem de unidade lógica: podem ser de muitos tipos diferentes. Enquanto um conceito agrupa os objetos de acordo com um atributo, as ligações que unem os elementos de um complexo ao todo, e entre si, podem ser tão diversas quanto os contatos e as relações que de fato existem entre os elementos (6).

FONTE CONSULTADA :
http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/artigos_elocy_aquisicaodapalavra.htm